O Impacto dos Leilões do Registro.br no Mercado de Domínios: Inflação de Preços e Regras que Favorecem a Especulação
O mercado de domínios na internet é um ecossistema fundamental para a presença digital de empresas, empreendedores e indivíduos. No Brasil, o Registro.br, vinculado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), é responsável pela administração dos domínios sob o código “.br”. Uma prática que tem gerado debates intensos e impactos significativos é o modelo de leilões para domínios liberados, cuja estrutura permite a participação de especuladores e contribui para a inflação de preços. Este artigo analisa os impactos dessas regras, destacando como elas favorecem determinados atores em detrimento do acesso mais amplo e equilibrado ao mercado digital.
O Processo de Liberação e Encaminhamento aos Leilões do Registro.br
Quando um domínio “.br” expira, é cancelado ou não renovado, ele entra em um processo de liberação gerenciado pelo Registro.br. Inicialmente, o domínio fica disponível por uma janela de 7 dias para solicitação de registro. Durante esse período, a primeira solicitação não é visível publicamente, o que impede que outros interessados saibam que o domínio está sendo requisitado. Contudo, se um segundo interessado manifesta interesse no mesmo domínio, o processo é automaticamente cancelado, e esse ciclo pode se repetir até seis vezes.
Na sétima tentativa, caso existam múltiplos solicitantes, o domínio é encaminhado para leilão. No entanto, essa sequência de cancelamentos sucessivos pode manter um domínio “presa” por meses, dificultando seu registro imediato por interessados legítimos.
Embora os leilões sejam descritos como “transparentes” e os participantes tenham acesso em tempo real aos lances, a visibilidade é limitada aos inscritos em cada certame. Diferentemente de leilões públicos, como os judiciais, esses processos não são abertos ao público geral, restringindo o conhecimento sobre valores e dinâmicas das disputas.
Além disso, qualquer pessoa física ou jurídica cadastrada pode participar dos leilões, com um limite de candidaturas por processo que varia entre 3 e 200, conforme o perfil do solicitante — baseado em quantidade de registros e histórico de pagamentos.
A Participação de Grandes Detentores nos Leilões
Empresas e indivíduos com amplos portfólios de domínios têm condições de participar de todos os leilões realizados — que não ultrapassam 100 por mês, segundo dados públicos. O limite de até 200 candidaturas por processo favorece quem possui maior capacidade técnica e financeira para monitorar e competir nesses certames.
Essa dinâmica beneficia claramente os especuladores (ou “domainers”), que têm como prática adquirir domínios para revenda a preços superiores. Quanto maior o portfólio de um participante, maior a capacidade de engajamento em múltiplos processos de liberação, criando vantagem estrutural para grandes players no mercado.
O modelo atual, com a janela de 7 dias e cancelamentos sucessivos sem justificativa clara, amplia o potencial para que grandes detentores acompanhem e atuem rapidamente, enquanto pequenos interessados enfrentam barreiras para acesso imediato.
Inflação de Preços no Mercado de Domínios
Os leilões do Registro.br frequentemente atingem valores expressivos, com domínios considerados premium sendo arrematados por cifras que vão de R$ 10.000 até mais de R$ 200.000. Um exemplo emblemático é o domínio “pneus.com.br”, arrematado por R$ 220.000, conforme reportagens divulgadas.
Esses valores, embora não representem a maioria dos domínios liberados, impactam diretamente o mercado secundário, onde domínios são revendidos por preços ainda maiores. Um domínio genérico pode ser adquirido em leilão por R$ 50.000 e rapidamente aparecer em revendas por valores superiores a R$ 100.000.
Essa valorização progressiva eleva o custo de entrada para pequenas empresas, startups e indivíduos que desejam estabelecer presença digital com orçamento acessível, restringindo a competitividade no ambiente online.
Respostas do NIC.br e Percepção do Mercado
Dúvidas e questionamentos sobre o modelo de leilões frequentemente recebem respostas padronizadas do NIC.br, que destacam a legalidade e a transparência do processo. Contudo, raramente são apresentadas respostas detalhadas sobre os efeitos da especulação e da consequente inflação de preços.
Essa postura, percebida por parte da comunidade como pouco engajada com os desafios práticos enfrentados, reforça a sensação de que o modelo atual prioriza a arrecadação financeira em detrimento do equilíbrio do mercado.
O Papel dos Especuladores e as Regras do Registro.br
A atuação dos especuladores no mercado de domínios é legítima e presente globalmente. O ponto central reside nas regras do Registro.br, que criam um ambiente favorável à concentração e à especulação.
O sistema de candidaturas, com limite elevado e sem exigências específicas para o uso dos domínios arrematados, permite a acumulação de grandes portfólios, dominando a oferta de domínios premium.
Além disso, o NIC.br, como entidade sem fins lucrativos, arrecada receita significativa com esses leilões, que embora sejam reinvestidos em infraestrutura, podem beneficiar-se de políticas que mitiguem os impactos da especulação e promovam maior acessibilidade.
Aspectos Legais e Éticos
O modelo de leilões do Registro.br está alinhado às diretrizes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). A participação dos especuladores é permitida, desde que não envolva práticas ilícitas como cybersquatting (registro com má-fé, especialmente de marcas alheias).
No entanto, a ausência de mecanismos para balancear o mercado levanta questionamentos éticos relativos à missão do NIC.br de garantir acesso universal e justo à internet no Brasil.
Diversos registries internacionais adotam restrições para determinados domínios, limitando o uso ou impedindo revendas imediatas, o que sugere que existem alternativas viáveis para tornar o mercado mais inclusivo.
Possíveis Caminhos para o Futuro
Algumas medidas poderiam contribuir para equilibrar o modelo atual de leilões, mantendo sua legalidade e transparência:
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Transparência Pública Total: Abrir o acesso aos leilões para consulta pública, com histórico detalhado de lances e arrematantes (resguardando privacidade), para fortalecer a confiança no processo.
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Revisão da Janela de Liberação: Reduzir o período de 7 dias e o número de cancelamentos permitidos, introduzindo avisos e taxas a partir do segundo interessado. Isso evitaria que domínios fiquem presos por longos períodos e reduziria vantagens estruturais dos grandes players.
Essas sugestões buscam fomentar um mercado mais justo, alinhado à missão do NIC.br e aos princípios de igualdade de oportunidade.
Cenário Atual
Os leilões do Registro.br são ferramenta essencial para a administração dos domínios “.br”, mas o modelo vigente favorece especuladores, contribui para a inflação de preços e restringe o acesso a domínios premium por novos players.
A janela de liberação e os sucessivos cancelamentos amplificam as vantagens dos grandes portfólios, enquanto a transparência limitada e respostas institucionais pouco aprofundadas elevam os desafios para democratização do mercado.
Este artigo pretende estimular um debate informado e construtivo sobre a necessidade de revisar as regras do Registro.br, alinhando-as aos princípios de inclusão e acessibilidade que guiam a internet brasileira. É responsabilidade da comunidade, do NIC.br e do CGI.br buscar soluções para um mercado de domínios mais equilibrado e democrático.
Nota Legal: Esta análise é baseada em informações públicas disponíveis até junho de 2025. Para detalhes oficiais, consulte o site do Registro.br.
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